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Paulo Pereira: vida ao Naturismo

Por Pedro Ribeiro

Paulo Pereira faleceu no dia 4 de setembro. O jornal OLHO NU presta tributo ao principal articulista do jornal que participou de grande parte das edições desde o primeiro exemplar em agosto de 2000. Homem de mil instrumentos, interesses e dedicações, um pouco de sua história, a parte naturista, apresentamos neste texto. Muito obrigado por tudo que imaginou, debateu e realizou pelo Naturismo brasileiro. Que descanse em paz. 

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No dia 6 de outubro de 2024, Paulo Pereira completaria 87 anos. Dos vinte e quatro anos de existência do jornal OLHO NU, Paulo Pereira participou dos vinte e quatro. Paulo era meu amigo de longa data. Nos conhecemos na Praia do Abricó, quando lá ainda não era permitida  a prática do Naturismo, mas nós praticávamos de maneira clandestina. Nos conhecemos assim, pelados, sem máscaras, sem coberturas que ocultam, que escondem. Na mesma hora reconheci sua importância para um movimento naturista brasileiro ao qual eu fazia restrições, e ainda não acreditava neste movimento, pois era cheio de restrições, porque não aceitava a inclusão de homens solteiros. Mas ele me disse que não era nada disso e me contou sobre a origem e a história do Naturismo. Era final da década de 1980. Paulo me contou que frequentava a área de Grumari (que inclui Prainha e Abricó) desde a década de 60, para fazer nudismo!

 

Nossa amizade foi ficando cada vez mais forte, passei a frequentar sua casa, sua família. Eu me tornei seu confidente. Falávamo-nos constantemente, ou pessoalmente ou nas longuíssimas ligações telefônicas, em época que as ligações eram cobradas por tempo de uso.

Desde a primeira edição do jornal OLHO NU, em agosto de 2000, ele esteve presente com suas crônicas, sabedoria e testemunhos históricos. Muito jovem iniciou-se no Naturismo, por influência da fortíssima atração que sentia (como me confessava) pelo modo de vida dos índios brasileiros, como bem revelou-se em algumas matérias publicadas nos artigos do jornal e em meio dos textos de seus magníficos livros de sua autoria. Tinha como livro de cabeceira, na infância, "As aventuras de Hans Staden", versão contada por Monteiro Lobato da história do aventureiro alemão que foi capturado pelos índios Tupinambás no século XVI. Não chegado a arroubos de exibicionismos pessoais e com muita modéstia, não foi fácil tirar estas informações dele.

 

Contemporâneo de Luz del Fuego, que o fascinava, teve o prazer de conhecê-la pessoalmente por causa de um de seus muitos ofícios, o de jornalista, entrevistando-a para uma matéria de uma revista alemã sobre Naturismo, em 1965 (Freies Leben). Tinha então 27 anos de idade. O biótipo de Paulo e o fato da revista ser alemã levaram Luz a dar-lhe a alcunha carinhosa de "alemãozinho", como era tratado por ela toda vez que se encontraram após a matéria e terem se tornado amigos, amizade interrompida com a trágica morte de Luz, em 1967. 

Paulo abraçou a causa naturista desde a adolescência, oriunda de seus profundos sentimentos íntimos, que o empurravam para a prática da nudez, pelo contato com a natureza exercido inicialmente no casarão onde residia no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Mas este local não lhe bastava e foi procurar lugares mais amplos e selvagens, como eram a Prainha e Grumari na década de 1960, do século passado. Logo encontrou parcerias que frequentavam os mesmos locais, e o sentido de organização foi surgindo espontaneamente. Juntamente com outros precursores se juntou a F.N.I.B.”- Fraternidade Naturista Internacional do Brasil, grupo criado pelo professor Daniel de Brito, que se manteve coeso e atuante mesmo durante os anos iniciais da Ditadura militar, que considerou subversivo qualquer movimento social que fugisse dos padrões tradicionais estabelecidos, tanto no campo da política quanto no dos costumes. Com a censura prévia aos meios de comunicação, a divulgação de forma ampla dos grupos naturistas brasileiros foi reduzida quase a zero e muitos se extinguiram.


Ainda no final de sua juventude no início da década de 70, formou-se em biologia, que agora o aproximava ainda mais da

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natureza e deixando-o apaixonado pela matéria, reafirmando sua vocação para o contato físico com o natural. O Naturismo ainda era uma de suas paixões, mas já não podia partir para a prática ostensivamente. Por iniciativa de Paulo, em 1969 a Fraternidade transformou-se na ANB (Associação naturista Brasileira), mas os encontros de seus membros passaram a ser discretas, quase secretas. E as idas às praias de Prainha, Grumari e Reserva passaram a ser clandestinas, por causa da repressão oficial. Ainda assim, o Brasil se fez representar oficialmente no Congresso internacional de Naturismo realizado em Koversada, antiga Iugoslávia, em 1972 pela recém formada ANB.

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Estudioso, começou a se interessar pela história do Naturismo no mundo, pesquisando e fazendo dezenas de artigos que raramente eram amplamente divulgados, ficavam restritos às quase inexistentes publicações naturistas. A prática naturista durante os anos do regime militar sempre foi discreta, cuidadosa, mas efetiva, concreta no final da década de 70 e início de 80, quando nos meados dessa última, surgiu o advento da Praia do Pinho, após o final da Ditadura Militar, no período chamado de Abertura, quando as publicações deixaram de ter censura prévia e o Naturismo pode ser novamente livremente divulgado. Paulo Pereira se engajou novamente no movimento que ressurgia com força vindo do Sul do Brasil. Tornou-se membro da Rio-NAT (Associação naturista do Rio de Janeiro) e logo tornou-se um dos líderes, culminando por exercer a presidência da entidade.

 

Com o Naturismo se ampliando vertiginosamente, com vários grupos sendo criados em diversas partes do Brasil, Paulo se dedicou ainda mais à sua vocação estudiosa e jornalística, começou a escrever e lançar livros sobre o assunto. Novas lideranças surgiram no Brasil inteiro. O naturismo estava na mídia intensamente. Haviam debates, enquetes, reportagens nas emissoras de rádio, televisão e jornais por todo o país. Paulo participou ativamente deste período. Foi entrevistado no conceituado programa Sem Censura, da TV Educativa, em dezembro de 1994, para falar da proibição pela justiça da prática do Naturismo na praia do Abricó, no Rio de Janeiro.


No ano de 2000, quando o jornal OLHO NU foi lançado, Paulo foi o primeiro

articulista fixo da mídia. Criou a seção "Naturalmente" onde apresentou crônicas, críticas e matérias históricas do Naturismo, sempre com foco bem ajustado e de grande qualidade literária e acadêmica. Esta pequena homenagem é muito aquém da que merece por tudo que já fez pelo Naturismo brasileiro.

 

Nos últimos anos seus problemas de saúde foram se agravando. Ele se lamentava de distúrbios estomacais e problemas dentários que o afligiam e desanimavam de frequentar encontros naturistas. Sua pele muito branca limitou também sua frequência a sua querida Praia do Abricó. Acabou contraindo câncer de pele que se agravou com o tempo. Mesmo com todas essas adversidades continuou firme na seus pensamentos e estudos, escrevendo como nunca. Estava finalizando mais um livro, que já estava totalmente escrito, nas na fase de revisão. Não era sobre Naturismo, mas sobre a vida, sobre comportamento.

O Naturismo perdeu uma grande figura, ímpar, dedicado, fiel aos seus pensamentos. Que o tempo não o torne esquecido, ao menos em nosso meio naturista. 

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(enviado em 6/09/24 por Pedro Ribeiro)

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