Alteração na legislação brasileira sobre nudez em público
por Filipe Hasche
No Código Penal brasileiro, em seu artigo 233, lê-se: “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
Mas.. o que seria exatamente um “ato obsceno”?
Isso a lei não diz.
Faz-se necessário entendermos o contexto histórico do Código Penal: ele data de 1940, decretado durante o Estado Novo, período ditatorial do primeiro governo de Getúlio Vargas. A redação do artigo 233 é praticamente a mesma, sendo a única diferença a quantificação da multa, como podemos ver a seguir:
Dada a vacuidade do texto legal, a intepretação de o que é e o que não é “ato obsceno” recai ao magistrado a cada evento ocorrido. Desde 1940!
Para ilustrarmos um exemplo, consideremos a roupa de banho típica da década de 1940: para os homens, maiôs (masculinos) ou bermudas; para as mulheres, maiôs ou biquíni de duas peças cobrindo o umbigo e as costelas.
Muito embora, pela letra da lei, não haja nada que desautorizasse o uso em público de algum biquíni muito menor, proponho ao leitor o seguinte exercício mental: qual seria a consequência legal se alguma vanguardista da moda ousasse utilizar um biquíni fio dental na década de 1940?
E nos dias de hoje? Qual seria a consequência legal de algum naturista que desejasse tomar banho de sol sem roupa? Será que, tal como na obra crítica do vanguardista Nelson Rodrigues, toda a nudez será castigada?
Novamente, pela letra da mesma lei, não haveria nada que desautorizasse a nudez em público. Entretanto, a materialidade dos fatos se impõe. Recorrentes são os fatos da utilização do artigo 233 para detenção de pessoas por estarem sem roupa em local público, ou até mesmo chegando ao cúmulo de mães serem constrangidas por autoridades de segurança por estarem amamentando seu filho em local público!
Tal absurdo fez necessária a criação, pasmem, de um Projeto de Lei (em 2015!) para garantir o direito de amamentação em público. Até hoje - fins de 2024 - esta matéria ainda tramita na Câmara dos Deputados.
Questionando essa repressão à nudez, o Tema 989 em pauta no Supremo Tribunal Federal desde 2018 discute a constitucionalidade do artigo 233 do Código Penal, como ilustrado a seguir:
Enquanto este tema ainda aguarda julgamento do STF, um Projeto de Lei foi apresentado em setembro de 2024 na Câmara dos Deputados com a intenção de estabelecer parâmetros objetivos para a criminalização da nudez pública, como mostrado a seguir:
O texto apresenta um parágrafo com as seguintes exceções:
O inacreditável retrocesso reside no fato de que qualquer outra ocorrência envolvendo nudez estará automaticamente caracterizada como crime!
Voltemos a alguns exemplos já mencionados anteriormente, convidando o leitor à reflexão:
Considere duas pessoas tomando banho de sol deitadas em uma praia ou em um parque.
Qual ato estas pessoas estão praticando? Respondo: tomando banho de sol.
E se uma estiver de biquíni e a outra nua? Haverá diferença no ato praticado por estas pessoas?
Ora, o ato permanece sendo o mesmíssimo: tomar banho de sol!
Ou seja: considerar a nudez, por si só, como um “ato” criminoso é tão absurdo quanto se fosse crime a utilização de uma sunga na década de 1940, ou criminalizar hoje uma mãe amamentando seu filho em um local público!
O Projeto de Lei 3560/2024, não configura avanço social algum; muito pelo contrário, uma vez que converte o atual artigo 233 em “praticamente toda nudez será criminalizada”. Trata-se, portanto, de um moralismo retrógrado camuflado de “atualização”.
O autor deste projeto não buscou diálogo com nenhuma entidade naturista. O estado de São Paulo (de onde é o deputado autor do PL) possui duas entidades naturistas filiadas à Federação Brasileira de Naturismo. Assim fica a impressão de que, para o deputado, ou naturismo não existe, ou precisa ser criminalizado.
Devemos, pois, propor alterações na atual legislação; mas para que ela acompanhe e promova o amadurecimento do comportamento social. Sem hipocrisias rasas.
Ou ainda estamos com a mentalidade de 1940?
(enviado em 17/12/24)